Entre as antropologias existentes hoje, filosófica, biológica, cultural, social, física, de cunho pesquisador e investigador, particularmente verificaremos a antropologia cultural.
A antropologia cultural dedica-se primordialmente ao desenvolvimento das sociedades humanas no mundo. Estuda os comportamentos dos grupos humanos, as origens da religião, os costumes e convenções sociais, o desenvolvimento técnico e os relacionamentos familiares.
Para o antropólogo a palavra cultura adquire uma outra dimensão do que a que convencionalmente entendida. Não se trata de identificá-la, com sabedoria ou sofisticação, como é comum associar-se essa palavra, mas sim de utilizá-la para definir tudo aquilo que o homem faz, pois, para o antropólogo, cultura é forma de vida de um grupo de pessoas, uma configuração dos comportamentos aprendidos, aquilo que é transmitido de geração em geração por meio da língua falada e da simples imitação.
Não existe produção humana que não seja cultural. Com ela e a partir dela os humanos se relacionam com o mundo, consigo mesmos e com suas criações. O Homem é um existente que tem consciência de si e do mundo que o circunda. Mas isso não é suficiente para explicá-lo. O Homem é mais do que isso, ele é complexo, pois é insatisfeito; é insatisfeito porque pensa e faz escolhas. “Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias” (FREIRE, 1983).
“As relações que o homem trava no mundo com o mundo (pessoais, impessoais, corpóreas e incorpóreas) apresentam uma ordem tal de características que as distinguem totalmente dos puros contados, típicos da outra esfera animal. Entendemos que, para o homem, o mundo uma realidade objetiva, independente dele, possível de ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta da sua abertura à realidade, que o fazer o ente de relações que é” (OLIVEIRA, 1983 apud FREIRE, 1969, p. 111).
O homem é um ser cultural, mas a cultura não é tudo no ser humano. A cultura, essa capacidade re-criadora, permite ao Homem re-produzir o mundo dinamizando a existência dos existentes. O fato de estar sempre criando ou re-criando sua obra ou suas manifestações faz da cultura uma das marcas mais tipicamente humanas, pois é principalmente pela sua capacidade de recriar o mundo e as manifestações culturais que o homem se diferencia dos demais existentes.
O homem é também cultura e/ou social devido ao seu relacionamento com o outro. Uma outra diferença entre o homem e os outros seres é a sua comunicação e/ou diálogo. O falar é seu principal tesouro, sua herança divina. Sem o diálogo o homem não seria ‘o homem’, ou como dizia Karl Jaspers: “O homem não é assim um ser fechado em sim mesmo. A auto-realização da existência humana se processa, portanto, na comunicação e no encontro com o outro através do diálogo” (OLIVEIRA, 1983), e também Gabriel Marcel: “O encontro com a vida se dá quando o homem encontra-se consigo mesmo. Mas esse encontro só é possível através do diálogo, isto é, através do outro que o homem se descobre ou se afirma plenamente como pessoa” (OLIVEIRA, 1983).
O Homem se caracteriza a partir de diferentes e diversas dimensões, mas não se limita a eles. Uma dessas dimensões, talvez uma das mais amplas e complexas para o entendimento seja a cultura. O Homem não se limita ao mundo natural; ele o transcende e o transforma. Transcende porque tem expectativas que não se limitam ao mundo como ele se apresenta e nem à sua materialidade. Transforma porque o recria constantemente, imprimindo sua marca: a marca da cultura. Em razão disso é que dizemos que o Homem se humaniza produzindo seu mundo, gerando sua marca cultural ou as diferentes manifestações culturais.
Uma das capacidades que diferenciam o ser humano dos animais irracionais é a capacidade de produção de cultura:
“Todas as pessoas têm cultura. Melhor dizendo, todas as pessoas vivem de acordo com uma determinada cultura. A cultura abrange a maneira de viver (agir, pensar e sentir) de um povo. Maneira de viver que pode ter aspectos comuns e aspectos diferentes em relação à maneira de viver de outros povos. A forma de organização social de um povo, portanto, também parte de sua cultura.” (PILETTI, 1999, p. 210).
Cultura significa tudo aquilo que deve sua origem à intervenção, livre e consciente do homem. Cultura é o conjunto de manifestações artísticas, sociais, lingüísticas e comportamentais de um povo ou civilização. É a herança que determinada sociedade transmite à seus membros através da educação sistemática e da convivência social. Portanto, fazem parte da cultura de um povo as seguintes atividades e manifestações: música, teatro, rituais religiosos, língua falada e escrita, mitos, hábitos alimentares, danças, arquitetura, invenções, pensamentos, formas de organização social, etc.
O conceito de cultura é bastante complexo. Em uma visão antropológica, podemos o definir como a rede de significados que dão sentido ao mundo que cerca um indivíduo, ou seja, a sociedade. Essa rede engloba um conjunto de diversos aspectos, como crenças, valores, costumes, leis, moral, línguas, entre outros.
Há também outros três significados sobre cultura:
Primeiro, significa que cultura pode ser entendida num sentido bem amplo como o conjunto de práticas pelas quais os homens agem sobre e transforma o que está na natureza, tornando-se co-responsáveis com a natureza por aquilo que se tornam.
Segundo, significa que cultura é a forma de viver dos humanos e, ao mesmo tempo, o nosso jeito de viver em grupos sociais específicos. Assim, no primeiro caso, falamos em cultura no singular, como aquilo que diferencia os homens de tudo que existe na natureza. Já no segundo caso, precisamos falar em culturas, no plural, como o que diferencia os homens entre si. Mas não podemos deixar de notar que esses conceitos e diferenciações são criados pelos próprios homens!
Terceiro, significa o conjunto de conhecimentos, de valores, de crenças, de idéias e de práticas de um grupo social e ou de um povo e ou de uma época.
Com esses três significados percebe-se que cada um de nós, homens e mulheres, nos tornamos o que somos quando produzimos e adquirimos cultura; aprendemos e construímos nosso modo de viver socialmente. Nesse sentido, podemos chegar à conclusão de que é impossível que um indivíduo não tenha cultura, afinal, ninguém nasce e permanece fora de um contexto social, seja ele qual for.
“Todas as pessoas, ao longo da vida, adquirem conhecimentos (a língua materna, uma profissão, etc.), crenças (religião, por exemplo), hábitos (modo de vestir, costumes alimentares, etc.), normas de comportamento (o que se pode e o que não se pode fazer); e todos utilizam diversos instrumentos (lápis, caderno, enxadas, carros, máquinas, etc.) para realizar suas atividades. Tais conhecimentos, crenças, hábitos, normas e instrumentos fazem parte da cultura.” (PILETTI, 1999, p. 210).
O jeito de viver humano é um jeito de viver sociocultural e envolve três elementos muito importantes que ajudam a padronizar o comportamento de um grupo social: a linguagem, o trabalho e os valores, com os quais produzimos e transformamos coisas e idéias, nos comunicamos, decidimos o que é e o que não é importante e organizamos nossas relações, criando regras para a vida social.
Homens e mulheres produzem cultura e são produzidos nela como humanos, então, na medida em que significam (práticas de linguagem), agem (práticas de trabalho) e valorizam (práticas de valorização) a natureza e o que eles mesmos produzem. Com isso criam regras que orientam as relações sociais. Assim, construímos o nosso mundo e nos fazemos presentes na natureza.
A condição de viver, de pensar e de organizar a vida coletiva (vida social), como percebemos, é o que movimenta o processo de autocriação humana, de produção da humanidade e da cultura. A cultura ao formar o homem, ao proporcionar-lhe a sua dimensão humanística, enriquece a natureza. Acrescenta algo à natureza. Assim, passaremos do estado natural ao estado cultural, que se manifesta em várias atividades, e tanto se faz sentir na própria natureza física, por exemplo, nas culturas dos campos, como cultivar a terra e como na cultura humana que se traduz pela criação da filosofia, da matemática, da tecnologia, da economia, da física, da sociologia, da política, etc.
Os modos diferentes de organização de grupos sociais (família, comunidade, categorias profissionais, etc.) podem tornar as pessoas desses grupos diferentes entre si, pelo cultivo ou não dos costumes e padrões de comportamento próprios de cada grupo.
“O homem enche de cultura os espaços geográficos e históricos. Cultura é tudo o que é criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma frase de saudação. A cultura consiste em recriar e não repartir. O homem pode fazê-lo porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo. Isto nos leva a uma segunda característica da relação: a conseqüência, resultante da criação e recriação que assemelha o homem a Deus. O homem não é, pois, um homem para a adaptação. A educação não é um processo de adaptação do individuo à sociedade. O homem deve transformar a realidade para ser mais (a propaganda política ou comercial fazem do homem um objeto)” (FREIRE, 1983, p. 30).
A cultura em si, é aquilo que faz com que o Homem seja aquilo que é, numa sociedade específica e num tempo próprio. Falar de cultura é, essencialmente, falar do Homem, das suas faculdades, do seu desenvolvimento, da sua maneira de ver e entender o cosmos, de compreender o sobrenatural. A cultura é o desejo permanente e incessante do Homem se conhecer, crescer no mundo e escrever a história.
A palavra cultura pode, também, exprimir a totalidade, ou uma parte do pensamento e das ações que distinguem uma sociedade de outras. Assim, podemos dizer que o fator cultural na vida dos povos, é o que de mais essencial faz perpetuar a sua maneira de ser e de estar no mundo. Deste modo, podemos afirmar que há uma pluralidade de culturas que convivem em diferentes tempos e lugares.
Por fim, ressaltando, todos os seres humanos têm cultura, e que a cultura não é inata nas pessoas, mas é adquirida na convivência em grupo. E o lugar ideal para a aquisição, desenvolvimento e conscientização da importância da cultura, ainda é a escola. Nela alunos e professores trocam experiências, vivências e singularidades. Convivem diariamente com as diferenças e praticam a “inclusão cultural”.
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